Blog do Instituto Casa de Autores, uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é fomentar a leitura e qualidade dos escritores no Brasil.

terça-feira, 30 de abril de 2013

Esquecimentos




Naquela manhã estava chovendo. Ele ligou o carro e foi à padaria. Estacionou, desceu e entrou na fila. Quando saiu, a chuva tinha passado. Então ele voltou para casa a pé. Mais tarde, quando procurou o carro onde costumava parar em frente ao seu prédio e não achou, ficou perplexo e notificou à polícia o roubo.

Vários dias depois, passando em frente à padaria reconheceu seu carro. Estava ainda com as chaves no bolso. Subitamente tudo voltou à sua memória. Entrou no carro, teve dificuldade de ligar o motor tantos dias parado, mas conseguiu. Voltou calmamente para casa. Telefonou para a polícia e comunicou que, inexplicavelmente, o carro tinha sido devolvido intacto no estacionamento de sua casa.

Lucília Garcez

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Herança




Do pai herdou a miopia
Da mãe a cardiopatia

Do pai herdou a covardia
Da mãe o medo

Do pai herdou a poesia
Da mãe o sonho

Do pai botou o pé na estrada
Da mãe fincou raízes


Clara Arreguy

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Cartão de crédito é dinheiro




Você usa bem o seu cartão de crédito? Para responder a essa questão, faça o seguinte: ligue para a administradora do seu cartão e peça para trocar a data do vencimento das próximas faturas para dois dias antes da chegada do seu pagamento. Isso é possível? Se a resposta for sim, você usa bem o seu cartão de crédito. Parabéns. Mas se você respondeu “não”, sinto muito em lhe dizer, você está encrencado. Está usando o cartão de crédito para ter crédito. Não quero dizer que você esteja errado, afinal, o cartão é de crédito e qualquer criança sabe disso. Perceba o diálogo:

- Papai, compra isto pra mim?

- Hoje não dá, papai está sem dinheiro.

- Então dá o cartão...

E tem mais, por trás dessa pequenina ferramenta você ainda pode estar escondendo, de si mesmo, gastos e atos que não quer ver ou assumir. A começar por colocar o cartão de crédito como item de seu orçamento mensal – “gastei R$ 3 mil de cartão de crédito”. É mesmo? Você comeu, dirigiu e vestiu cartão de crédito? Não, você comprou alimentos, combustível, passagens, roupas e pagou com cartão de crédito, muitas vezes escondendo a sua real situação financeira e aquelas compras que fez de impulso, por carência, estresse, raiva, inveja etc. Compras que você jamais faria se tivesse que pagá-las com dinheiro.

Além disso, o cartão de crédito tira de você a contrapartida (sensação) do pagamento, afinal, você paga hoje e não vê e nem sente a redução do seu saldo bancário. O pagamento só acontecerá daqui a 30 ou 40 dias, tempo suficiente para consumir outros itens ou esquecer o que foi comprado anteriormente.

Para sair dessa armadilha na qual você mesmo se coloca, que tal chamar seu de cartão de crédito de cartão de dinheiro? Afinal, ele é dinheiro vivo e bem vivo. Consequentemente, antes de usar o cartão, faça a você três perguntas “mágicas”: posso pagar com dinheiro? Posso pagar com cheque? Posso pagar com cartão de débito?

Se a resposta for sim a uma dessas condições, então você pode pagar com cartão de crédito, para a sua conveniência, por ganhar algum bônus. Se respondeu não, você não deve usar o cartão, pois estará contratando crédito, gastará mais do que pode e terá que contar com a chegada de seu próximo pagamento para quitar a fatura.

Eu já sei, você vai dizer que planejou, cuidadosamente, a data de vencimento da fatura para cinco dias após seu pagamento. Você acha perfeitamente normal e não percebe que começa o mês com o salário reduzido, compensando essa redução com mais gastos com o cartão para os meses seguintes. Dessa maneira, fica dependente do cartão e só compra onde ele é aceito, perdendo assim a liberdade financeira, que é o primeiro passo para o endividamento.

Cartão de crédito é dinheiro e como tal deve ser usado. Viva à frente dele e tenha muito bom senso e cuidado no seu uso, para desfrutar do conforto e das facilidades que ele traz. Encerro lançando um desafio: antecipe a data de vencimento de sua fatura para dois dias antes de seu pagamento. Sua tranquilidade agradece.

Rogério Olegário do Carmo
Consultor financeiro pessoal e coautor do livro "Família, afeto e finanças – Como levar cada vez mais dinheiro e amor em seu lar", com sua esposa, a psicóloga Angélica Rodrigues Santos

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Seriam os leões homofóbicos ou homossexuais?



Muitos concordariam que o mundo ficaria bem menos interessante e divertido sem sexo, mas poucos percebem a extensão dessa afirmação... não se trata apenas do óbvio... sem sexo, não haveria flores, os pássaros não cantariam, os veados não teriam galhadas, os pavões não exibiriam suas famosas caudas... Enfim, seria um mundo com bem menos graça e beleza...

Mas será que sexo é a mesma coisa para todas as criaturas? Para os seres humanos e outras espécies parece ser a cópula. Para peixes, um esguicho conjunto de ova e esperma. Para escorpiões e centopeias, sexo resume-se a um pacote de esperma depositados no chão para que a fêmea sente em cima e os faça explodir em seu trato reprodutivo. Para as plantas com flores, sexo é confiança depositada no vento ou em um inseto que traga o pólen para uma flor fêmea pronta para recebê-lo. A lista é grande e há muitas formas diferentes de sexo e de "relacionamentos" na natureza, desde espécies monogâmicas, passando por aquelas onde a promiscuidade é garantia de sobrevivência dos filhotes, até aquelas onde o macho é jantado ao final do evento sexual.

Essa situação macho e fêmea, como uma dicotomia básica, opostos que se completam, é apenas uma das muitas alternativas existentes na natureza. Há espécies que mudam de sexo por conta do equilíbrio populacional; há aquelas que atravessam diferentes fases em diferentes gêneros; há uma profusão delas que mantêm relações com indivíduos do mesmo sexo, inclusive parte dos primatas e felinos...

Ou seja, o que parece "natural", "normal" ou algo assim é apenas a que estamos culturalmente acostumados. Mas, ainda assim, muitos seres da espécie humana ainda apresentam uma grande dificuldade em lidar com modelos de sexo e de "relacionamento" diferentes do que eles consideram normal. O resultado disso é uma tremenda homofobia e um enorme preconceito contra pessoas que vivem situações diferentes da básica – e, em geral, limitada e monótona – relação de casal.

Para tais seres, recomendo muito um livro, já indicado outras vezes: "Consultório sexual da Dra. Tatiana para toda a criação", de Olivia Judson. Trata-se de um guia de biologia evolucionária do sexo, onde é possível ter uma boa ideia da diversidade que existe na natureza. O livro é superdivertido e a autora é uma grande especialista no tema, além de excelente escritora.

E... se esses seres, que compartilham com vocês o pertencimento à humanidade (comigo não, pois sou uma ex-humana), não tiverem nem tempo nem vontade de ler o guia da Olivia Judson, poderiam, pelo menos, respeitar a diversidade e evitar a violência contra quem faz diferente.

Em tempo: leões exibem comportamentos homossexuais sim... já homofóbicos, não...

Os casos de homofobia no Brasil se acumulam... quem acha que não tem nada a ver com isso não entendeu ainda que o preconceito e o desrespeito não poupam ninguém e quem acha que está a salvo hoje pode ser uma nova vítima amanhã...

Nurit Bensusan

terça-feira, 2 de abril de 2013

A necessidade da estrutura na escrita de romances


Uma vez definida a premissa, o próximo passo lógico é definir a estrutura da história.

A estrutura pode ser desde algo simples (status quo inicial, conflito, resolução do conflito, novo status quo), até algo altamente sofisticado (como a "Jornada do Herói" sugerida por Joseph Campbell em seu livro "O Herói de Mil Faces"), passando por estruturas intermediárias, como a sugerida por Syd Field em seu "Manual de Roteiro" (status quo inicial, ponto de virada inicial – conflito –, desenvolvimento da história, ponto de virada 2, clímax – resolução do conflito –, novo status quo).

Uma das estruturas mais conhecidas é "A Jornada do Escritor", de Christopher Vogler, que basicamente pegou o trabalho de Campbell, focado mais na área de psiquiatria, e o trouxe para o mundo dos escritores e roteiristas.

Primeiramente, gostaria de reforçar a necessidade (atenção, não é "importância", é "necessidade", mesmo) de conhecer e utilizar a estrutura para escrever qualquer texto literário.

Começando pelo básico: "Início-Meio-Fim" não é uma estrutura para uma estória. Uma lista de supermercado já tem isso. E, no entanto, tem muita gente que escreve estórias justamente com essa estrutura, por incrível que pareça – eu sei, já li muitas assim!

Um exemplo? "Era uma vez três porquinhos que saíram da casa de sua mãe para viverem por conta própria (Início – apresentação do status quo), construíram suas casas (Meio – desenvolvimento do tema) e viveram felizes para sempre (Fim – conclusão do tema).

"O escritor original não é aquele que não imita ninguém, mas aquele que ninguém consegue imitar"
François-René de Chateaubriands, escritor fundador do Romantismo na França

A estrutura mínima de uma estória seria: "Início – Conflito – Desenvolvimento do conflito – Resolução do conflito – Conclusão". Sem perder tempo com mais detalhes (acho que ficou bem claro...), uma estória sem conflito não é uma história, não dá certo falar de porquinhos sem falar também do lobo.

Acredito que todo escritor, por mais iniciante que seja, irá concordar que uma "estrutura mínima" como esta aparece em qualquer história, salvo raríssimas e honrosas, ou nem tanto, exceções.

Também acredito que qualquer escritor pode ver que "seguir essa estrutura" não vai "engessar seu trabalho", não vai "ferir sua arte" nem "podar sua criatividade".

Pois bem: o mesmo se aplica à estrutura proposta por Christopher Vogler. A questão não é que minha estória precise se ater à estrutura sugerida por Vogler, muito pelo contrário: se minha estória for bem escrita, ela, digamos, "automaticamente" segue a estrutura.

Parece metafísico? Concordo! Mas isso ocorre justamente porque Vogler baseou seu trabalho nos estudos de Joseph Campbell, que estudou inúmeros mitos e extraiu deles a "estrutura comum", os pontos principais da estória, além de outras coisas muito interessantes para os escritores – como os arquétipos mais comuns nessas histórias, de que podemos falar em posts futuros.

Dito isso – e, se você não estiver ainda convencido(a), leia "A Jornada do Escritor" do Vogler, que defende a ideia bem melhor do que eu... – gostaria de destacar alguns pontos importantíssimos sobre a estrutura das histórias:

  • Estrutura é TRILHA, não TRILHO. Se você a seguir demais, ela engessa sua narrativa e torna a estória cartesiana, sem graça e sem inspiração. Se por outro lado você não a seguir, você pode (e normalmente vai) se perder!

  • A estrutura pode ser utilizada antes da produção de texto (é o ideal), para definir os pontos principais da estória, ou depois da produção, para descobrir falhas em suas tramas.

  • Erro comum: a estrutura é para o autor organizar seu trabalho, não para o leitor! Você planeja com a estrutura e, na hora de escrever, se você trabalha direito, a estrutura "some" do livro.

  • Ao escrever, a natureza criativa do trabalho muitas vezes provoca alterações na estrutura planejada. Isso é normal, a estrutura é algo dinâmico, ajustável conforme a necessidade da estória.

  • A estória final pode ter mil meandros a mais, e pode ter vários pontos a menos. Nem tudo da estrutura precisa ser contemplado na estória. A estrutura sugerida por Vogler tem 12 pontos, mas você pode fazer uma estória excepcional usando essa mesma estrutura, tirando três ou quatro pontos dela, por exemplo.

  • Os obstáculos, locais e conflitos das estruturas podem ser externos ou internos, físicos ou psicológicos. O "herói" pode ser um homem comum, o "mundo especial" pode ser uma mudança forçada de atitude, a recompensa pode ser apenas o aprendizado. Abra sua mente!

  • A ordem cronológica implícita na estrutura não precisa ser a ordem final de leitura do livro. Ao escrever, o autor tem liberdade total para trocar de ordem qualquer dos pontos da estrutura – desde que isso faça sentido em sua obra, é claro!

  • É possível escrever uma estória sem utilizar uma estrutura? Sim, é claro! Acabei de fazer isso em meu romance (ainda inédito) "As incríveis memórias de Samael Duncan". Só que, quando terminei – após MUITO suor, trabalhar sem estrutura é terrível! – descobri que o resultado, afinal, seguia uma estrutura muito bem definida; a estrutura "nasceu" da organização natural do trabalho. A estrutura é uma coisa intrínseca ao romance; quer você queira, quer não, ela estará lá.

Pensando assim, podemos ter a impressão oposta: Se a estrutura é TÃO flexível, para que serve, afinal? Ora, como dizia um general famoso, "Nenhuma batalha nunca foi ganha de acordo com o plano... Mas nenhuma batalha nunca foi ganha sem um plano!".

No fundo, é apenas e exatamente isto: se você quer escrever profissionalmente, trabalhe profissionalmente. Trabalhando de maneira organizada seus resultados sairão mais rápido e com melhor qualidade – que é o que se espera de um profissional, em qualquer área.

Alexandre Lobão